sexta-feira, 19 de abril de 2013

História e futebol - Primavera sangrenta

O dia em que o clássico Dínamo Zagreb x Estrela Vermelha se fez prelúdio para a terrível Guerra Civil Iugoslava

Durante décadas considerado o clássico da liga iugoslava, o confronto entre Dínamo de Zagreb e Estrela Vermelha de Belgrado se tornou o símbolo da sangrenta guerra que assolou a região dos Bálcãs nos anos 1990.

Torcidas de Estrela Vermelha (esq.) e Dínamo Zagreb (dir.) contavam com milhares de torcedores extremistas em suas fileiras, o que tornava cada jogo entre as duas equipes um evento de forte caráter político

Aquela partida não podia ter sido disputada em pior momento, logo duas semanas antes do dia 13 de maio de 1990, data em que os partidos favoráveis à independência da Croácia venceram as primeiras eleições multipartidárias realizadas na hoje extinta república iugoslava.

Isso alimentou as tensões étnicas entre as cidades de Zagreb e Belgrado, que se opunha ao desmantelamento da Federação Comunista Iugoslava.

As duas equipes eram conhecidas pelo extremismo de seus torcedores. Os Delije (que poderia ser traduzido como "durões") passariam a integrar mais tarde o corpo de paramilitares sérvios que lutaram contra a Croácia e a Bósnia-Herzegovina.

Já os Bad Blue Boys do Dínamo eram defensores da independência da Croácia.

A tensão já era evidente antes do ponta-pé inicial. As brigas nas ruas eram frequentes, apesar da forte presença policial. Estima-se que 3.000 torcedores do Estrela Vermelha tenham viajado de Belgrado a Zagreb.

O estádio ficou lotado, com a torcida do Estrela Vermelha entoando cânticos nacionalistas e a do Dínamo respondendo com insultos. Os Delije arrancaram assentos das arquibancadas e jogaram nos seguidores locais. Mesmo em grande número, os policiais, surpreendentemente, não reagiram à violência.

Polícia toma partido

Quando os torcedores sérvios romperam as grades divisórias de proteção, os rivais atacaram. Em vez de separar as torcidas, a polícia iniciou uma perseguição aos torcedores croatas.

Em pouco tempo "não se podia mais ver o gramado, já que tudo estava coberto de tijolos e de partes das grades", lembra Vlado Capljic, jogador do time de Zagreb na época.

O então jogador do Dínamo e ídolo croata, Zvonimir Boban, que tinha apenas 21 anos, viu um agente da polícia agredindo brutalmente um torcedor local. Ele avançou sobre o policial, permitindo que o torcedor fugisse.

A multidão começou a gritar "Boban, Boban", chamando os policiais de assassinos, lembra Dean Bauer, que então era um estudante de 23 anos. "Foi grotesco: a música continuava tocando e o alto-falante emitia anúncios como se nada estivesse acontecendo", acrescentou.

Quase uma hora e meia depois, a polícia utilizou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão e escoltar a saída dos torcedores sérvios.

A atitude fez de Boban um herói nacional na Croácia. "Certamente marcou minha carreira esportiva, foi como se tivesse amadurecido do dia para a noite", declarou Boban sobre o incidente em entrevista em 2002.

No total, 117 policiais, 39 torcedores sérvios e 37 croatas ficaram feridos. Mais de cem torcedores foram detidos.

"Naquele dia ensolarado de primavera, ficou claro que era o fim de uma era e que outra, brutal e sangrenta, acabava de começar", disse Bauer.

Um ano depois, na primavera de 1991, explodiu a guerra na Croácia, o primeiro de uma série de conflitos que acabaram com a desintegração da Iugoslávia.

Postada:Gomes Silveira
Fonte:Diário do Nordeste

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